[Cybercop Fanfic] Missão em Bergamo (Prequel do futuro projeto "O foguete da morte", com Andrey Kusanagi (AkaRed)) - Capítulo 1
O
voo de Palermo para Bergamo levou uma hora e 45 minutos, tempo suficiente para
que Michele praticasse como teria de agir sob disfarce. Sendo naturalmente
siciliano, não era muito difícil forçar um pouco o sotaque para parecer mais
humilde. Além do mais, era essencial que já chegasse à cidade dentro do
personagem, afinal os contrabandistas poderiam utilizar qualquer rota de
entrada – inclusive o próprio Aeroporto Internacional Orio Al Serio, onde o voo
4028 da Alitalia descia naquele momento – , e o menor descuido poderia ser
fatal. Claro que algumas pessoas poderiam suspeitar de um pobretão viajando de
avião, mas para isso Michele tinha a resposta na ponta da língua: bastava dizer
que trabalhou duro por alguns anos até juntar dinheiro para um lugar na classe
econômica.
Não demorou muito até encontrar um motorista com a
placa mostrando seu nome falso. Michele sentia-se grato (ou talvez com sorte)
de receber uma identidade que tinha o mesmo prenome com o qual fora batizado. Pois
isso lhe pouparia de uma boa dose de confusão por atender pelo nome “errado”.
Ele seguiu o homem, um sujeito de meia idade e com um grosso bigode, até seu
carro, do lado de fora, e partiram em direção à Cidade Alta, onde vivia Gianni
Gemma, o contato do ZAC na cidade. O pouco que Michele viu de Bergamo pelo
caminho lhe deu a impressão de ser uma cidade modesta, mas não por isso
desinteressante. Especialmente quando o automóvel vinha subindo pela Via della
Fara, de onde podia ter uma visão privilegiada da cidade pelo vidro do passageiro,
cercada por colinas verdes que se estendiam até onde a vista podia alcançar; e
depois, entrando pela Via San Lorenzo, com suas casas de arquitetura medieval e
ruas estreitas pavimentadas com paralelepípedos, que davam à cidade um charme
inconfundivelmente mediterrâneo.
Por fim, o carro entrou em uma das ruelas próximas à
Piazza Vecchia até parar diante de uma modesta barbearia, cujo dono saiu
prontamente enquanto Michele retirava sua bagagem do porta-malas...
–
Michele Cannarita?
–
Eu mesmo – respondeu o oficial, já demonstrando segurança suficiente para
atender por outro nome. – Signore Gianni Gemma?
–
Exatamente. Bom lhe conhecer, rapaz – respondeu o barbeiro, oferecendo uma
gorjeta ao motorista. Entraram no estabelecimento assim que o carro fez a primeira
curva à sua frente.
–
E então, signore Cannarita? Fez boa viagem? – perguntou Gianni, dando ênfase ao
pseudônimo como se quisesse provocar Michele, ainda que de maneira amistosa.
Sabendo quem ele realmente era, imaginou que podia se dar ao luxo de fazê-lo.
–
Sim, senhor. Pra ser sincero, só ainda me sinto um pouco desconfortável...
–
Entendo. Deve ser irritante manter a barba assim, não é? – Gianni ia mantendo a
conversa enquanto se dirigiam à sua residência, nos fundos do estabelecimento –
Como alguém que cuida desses detalhes há anos, tenho autoridade para falar
sobre isso.
–
Pois é... – Michele deu um risinho um tanto nervoso – Mas vou ter que aguentar
o quanto puder, não é?
–
Verdade. Mas devo dizer que o seu porte físico ajuda muito. Você não é parrudo
como se espera de um homem da Sicília, mas tem uma ótima musculatura. Pelo
jeito, o treinamento do ZAC lhe serviu bem. Fique à vontade.
–
Obrigado, senhor... Mas podemos ir ao assunto? – perguntou, sentando-se no sofá
da sala, enquanto Gianni fechava a porta atrás de si após entrarem na casa.
–
Você é direto, meu jovem. Gosto disso – disse o barbeiro, enquanto ia em
direção à cozinha para pegar um copo de vinho, sem parar de falar – A questão é
a seguinte: como você já deve ter sido informado, nossa cidade tem servido como
um entreposto para o contrabando de diversos produtos, desde eletrônicos até
armamentos...
–
Sim, senhor. Recebi o dossiê do Capitão Koscina com as informações necessárias.
–
Certo. E a polícia está tendo problemas em descobrir por onde esses produtos
passam. Aparentemente, esses traficantes são muito bons em limpar seus rastros,
de forma que mesmo quando a polícia recebe denúncias, não encontra nada ao
chegar. Você deve imaginar que isso tem dado um nó na cabeça dos investigadores
e emperrado o trabalho da lei. Vinho?
–
Não, obrigado. Eu não bebo.
–
Tudo bem. Mas voltando: a única coisa que se pode pelo menos deduzir – Gianni
sorveu um gole de seu vinho antes de continuar – é que tem gente graúda
envolvida nessa história. Afinal, esse tipo de operação é meticulosa demais
para ser conduzida por uma quadrilha de pés-rapados qualquer, concorda comigo?
Gente da alta roda. Do tipo que acha que tem a lei no bolso porque pode pagar.
E é aí que você entra.
–
Vou ter que arrumar emprego trabalhando na casa de um desses grã-finos
suspeitos, estou certo?
–
Você entende rápido. Na verdade, já temos até um nome para você investigar:
Agnello Lampugnani.
–
Um dos mais poderosos magnatas do país...
–
E desta cidade, o maior deles. Talvez até, nesta região, ele só perca para os
donos das multinacionais de Milão. Para nossa conveniência, recentemente ele
mandou publicar uma vaga procurando empregado do sexo masculino em sua mansão
aqui mesmo em Bergamo.
–
Posso procurá-lo agora mesmo, então?
–
Não, o anúncio diz que é preciso ligar e marcar hora para a entrevista. Sabe
como esses figurões são, sempre tão ocupados... Por bem ou por mal.
Antes
que pudessem continuar a conversa, a porta se abriu, e por ela entrou uma bela
jovem loira, de olhos verde-claros, carregando alguns livros e cadernos na mão.
–
Cheguei, papà – disse ela, imediatamente se dirigindo a Gianni para lhe dar um
abraço. A visão de Michele voltou-se toda sobre ela. Já havia visto muitas
garotas bonitas na vida, mas dessa vez era diferente. Sentia-se um tanto
desconcertado. A imagem da moça parecia luzir diante de seus olhos e tocar-lhe
bem no íntimo, como se os parâmetros de formosura que conhecesse passassem a se
dividir entre antes e depois dela. Se pudesse, a admiraria para sempre.
Ou pelo menos, assim o
fez até que a voz de Gianni o tirou de seu estupor.
–
Michele, esta é minha filha Giulietta...
–
Eh... Molto piacere – respondeu ele, levantando-se e cumprimentando a moça, ao
mesmo tempo em que inconscientemente torcia para que não tivessem percebido a
forma com que a olhara.
-
Igualmente – sorriu a moça sem parecer ter notado o olhar dele.
Gianni
também pareceu nada perceber, pois disse em seguida: - Giulietta, largue suas
coisas e vá ajudar sua mãe com o jantar. Provavelmente vamos ter mais um na
mesa hoje.
-
Certo – respondeu ela para depois acenar em despedida e sair do recinto,
deixando os dois homens novamente a sós.
-
Então, voltando ao nosso assunto, então eu ligo e marco um horário e com sorte,
ele me contrata. E a partir daí, eu investigo – Michele mantinha a concentração
a muito custo desde ter visto a moça.
-
É basicamente isso. Só que você precisa ser o máximo de discreto possível. Não
permita que ninguém saiba sua identidade verdadeira mesmo que a pessoa seja da
sua total confiança. Se bem que, considerando a situação descrita, confiar em
alguém nesse caso pode ser um erro crasso. O sucesso da missão depende da sua
interpretação ser o mais convincente possível – disse Gemma sério.
-
Isso o capitão deixou muito bem reforçado. Eu até me assustei com o modo como
ele falou – Michele viu-se repensando na conversa com o pai de criação sobre a
missão.
Gemma
não sabia se devia dizer aquilo, mas achou uma boa ideia não mentir: - A filha
dele, Medea, mora aqui. Ela é pintora e fotógrafa. E a relação dela com o Italo
está longe de ser das melhores. Não sei o que ela faria se soubesse de você.
Não que ela vá saber, de qualquer modo, mas, preferi não omitir nada.
-
Prefiro assim – respondeu ele tentando esconder o espanto pelo que agora sabia.
-
Achei que era meu dever dizer a verdade – respondeu Gianni ao que Michele enfim
ligou para a o número no anúncio.
Uma
voz feminina veio do outro lado da linha: - Katrina Lampugnani falando.
-
Boa tarde, senhora. Acabei de ler o anúncio que seu marido colocou no jornal.
Quando posso ser entrevistado? – perguntou ele do modo mais simples que podia
usar.
-
Se você quiser vir agora à tarde, não me incomodo – respondeu ela um tanto
surpresa com a ligação inesperada. O marido não tinha gostado de nenhum dos
quatro entrevistados anteriores.
-
Me dá uns minutos que me ajeito e vou aí pra conversarmos – respondeu Michele
com sua falsa fala simples.
Katrina suspirou baixinho
ao perceber que a pessoa do outro lado da linha era com certeza um daqueles
pobretões que provavelmente só iria tentar a vaga pelo excelente salário.
Agnello exigia alguém capaz de substituir o empregado que iria se aposentar e
voltar à cidade natal. A mulher, no entanto, aceitou recebê-lo para uma
entrevista. Não custaria nada falar com ele e pelo menos agradecer-lhe por
procurá-la.
Andreatti,
com os falsos documentos, despediu-se de Gianni, que lhe desejou sorte. Não
demorou sequer dez minutos até a mansão depois de ter conseguido logo de cara
uma condução. Foi educadamente recebido por uma das criadas, Gina: - Boa tarde.
Deseja falar com a patroa?
-
Sim, se ela estiver disponível – disse ela chamando a outra criada para avisar
dona Katrina da chegada do possível novo servo. Ele não era lá grande coisa,
mas com um ensinamento considerável, quem sabe. Se bem que ele até era
bonitinho se desse um trato naquele visual.
Minutos
depois, a outra criada, de nome Agustina, disse: - Pode entrar, ela está
esperando.
Ele
não demorou muito a notar a expressão seriamente franzida da moça, que nada
dissera possivelmente por respeito ou para não se complicar por ter a língua
comprida. Michele viu-se odiando o departamento de disfarces, mas segurou a
custo a zanga na face. Se tinha de ser um empregado um tanto mal ajambrado, que
assim fosse.
Enfim,
entrou no que claramente era uma bem equipada sala de ginástica, onde uma
mulher exercitava-se no que parecia um simulador de corrida. Parou ao ver o
rapaz entrando na sala. Tentou conter um sorriso, mas não pôde:
-
Boa tarde.
-
Boa tarde – replicou ele polidamente. Talvez um pouco demais para um simples
servo, mas, boa educação independia de classe social.
-
Você é a pessoa que me ligou. Me esqueci de perguntar seu nome, dada minha
surpresa com seu telefonema – respondeu ela olhando-o com atenção.
-
Michele Cannarita – respondeu ele com alguma timidez. Fingida.
-
Siciliano, eu imagino – disse Katrina notando que talvez ele atendesse às
exigências do marido.
-
Sim, nasci mais ao norte, quase no litoral – respondeu ele sorrindo com timidez
quase matreira.
-
O que sabe fazer? – perguntou a rica mulher saindo do aparelho.
-
O que a senhora precisar que eu faça, farei sem fazer perguntas – respondeu ele
educadamente.
-
Essencialmente, preciso de um novo mordomo, já que o meu irá se aposentar
dentro de dois meses. Ele vai voltar para o interior intencionando passar mais
tempo com a neta que acabou de nascer e com os outros que estão crescendo –
respondeu ela com um sorriso e Michele viu-se dizendo: - Mas se precisar que eu
faça outros trabalhos, apenas diga que farei com rapidez.
-
Mesmo? – perguntou ela um tantinho surpresa.
-
Se a senhora me perdoa o comentário, o seu jardim parece um pouco murcho –
Michele comentou mesmo sabendo que poderia se arrepender disso.
-
Nenhum dos jardineiros que contratei conseguiu resolver o problema das minhas
flores não crescerem. E eu paguei uma nota por cada serviço. Você acha que
pode? – perguntou ela em sincero tom de desafio. Katrina não imaginava, mas
Andreatti adorava desafios.
-
Se a senhora aceitar os meus serviços, certamente poderei – respondeu ele
sorrindo.
-
Bem, me ajude. Pegue meu roupão – disse a mulher descalçando os tênis.
-
Sim, senhora – respondeu Michele andando um tanto rápido até o local onde
estava o que parecia ser um tecido dourado. Pegou-o delicadamente e levou-o
cuidadosamente até ela, que olhou de soslaio: - Por que o receio?
-
Temo estragar algo tão caro com minhas mãos tão calejadas. É um tecido tão
bonito – respondeu o rapaz timidamente.
Katrina
riu: - Acho que você definitivamente fica. Parece ser alguém cuidadoso e bastante
competente. Claro que vai precisar ser ensinado a se portar com a classe que um
mordomo deve ter, mas isso certamente você aprende rápido.
-
Sim, senhora – disse ele feliz por ser aceito. E sabendo que a partir dali sua
missão começava.
Agnello
Lampugnani, o marido, não demorou a chegar. Os empregados, estando com suas
tarefas, não puderam ajudá-lo, mas Michele podia, mesmo não tendo ainda se
mudado para a casa. Habilmente carregou as armas de caça do “patrão”, que
comentou ter pego faisões e coelhos, que as empregadas prontamente pegaram logo
que puderam descer. O policial andou devagar, pois até para ele o peso era
demais.
O
homem, por sua vez, não parecia feliz com a presença dele, mas a iniciativa
rápida começou a impressioná-lo positivamente. Ainda sim, porém, disse: - Ele
parece competente, mas ainda sim deve passar por um exame médico. O novo
mordomo tem que ser saudável e com iniciativa. Uma coisa não vive sem a outra.
“Sei”,
pensou Andreatti segurando com força a vontade de revirar os olhos porque
conhecia muita gente saudável que não movia uma única palha. Guardou
cuidadosamente cada arma no local indicado pelo dono da casa, mas teve o
cuidado de não mostrar que sabia realmente como fazer aquilo, razão pela qual
demorou um bocado. No entanto, Achille olhou impressionado e comentou com a
esposa: - Ao menos ele tem o bom senso de ser o mais organizado possível. Mas
ainda precisa de um bom trato. Olha esse visual. Não parece digno de um mordomo
de classe alta.
Michele
sorriu disfarçando o sangue que inesperadamente subia-lhe pelas faces por conta
da raiva ouvindo aquele comentário. Agnello era claramente um daqueles ricaços
que prezava demais a classe, mas pelo jeito deixava o real bom caráter de lado.
Esperou sinceramente não ser assim porque já conhecera gente demais daquele
tipo e suas experiências nunca tinham sido menos que as piores possíveis.
Perguntou ainda disfarçando: - Estou contratado?
-
Gostei do que vi. Proativo, competente, organizado. Sim, a partir de hoje você
é meu mordomo. Mas... terá de tomar algumas aulas com o Ettore para melhorar
sua postura e seus modos. Ainda está verde demais, mas estou certo de que com
um bom ensinamento intensivo, poderá substitui-lo – disse Agnello sorrindo para
depois continuar: - Vá ao consultório do Dr. Pezzolato e faça alguns exames. E
aproveite para trazer suas coisas. Ficará no alojamento dos criados.
Michele
teve de conter a animação ainda maior que se apoderou dele quando se viu
empregado na casa e agradeceu com um sorriso tão grande que Agnello não pôde
deixar de comentar: - Você tem dentes bem cuidados e um tanto perfeitos. Demais
até. Uma surpresa considerando sua condição.
Andreatti
arrependeu-se seriamente do sorriso grande, mas tinha recusado a sugestão de
“falsos dentes podres”, pois aí mesmo a tentativa de empregar-se daria
estrondosamente errado. Respondeu cordial: - Sempre fui ensinado a ter higiene
decente. Não fica bem andar por aí com mau cheiro na boca ou dentes sujos. Ou
até mesmo sem tomar banho.
-
Tenho de parabenizar seus pais. E também sua genética. Falando sério –
respondeu ele para Michele logo pensar que muitos ricos sequer se banhavam
direito. Não foram raras as vezes cumprimentando gente dona de um fedor que só
por Deus e uma halitose altamente capaz de derrubar um avião. E quis chorar ao
se lembrar dos pais já finados, que tão bem o tinham educado mesmo tendo vivido
tão pouco.
Katrina,
por sua vez, nada dizia. Estava satisfeita com o novo empregado, mas ainda sim
curiosa com as outras habilidades que ele dizia ter. Andreatti, agora
Cannarita, disse: - Estou dispensado por agora para ir no médico?
-
Sim. E relembrando: traga suas coisas. E quando tiver seu primeiro salário,
aconselho-o a comprar umas roupas novas. Porque com comida você não vai
precisar se preocupar – disse Agnello retirando-se enquanto Michele respirou
fundo perguntando-se o quanto iria aguentar alguém tão absurdamente impertinente.
Se bem que um visual bem cuidado era um legítimo cartão de visita e causava boa
impressão em todo mundo. No entanto, tal coisa podia esconder as piores
intenções e o mais sujo caráter. Sendo os mafiosos definitivamente o melhor
exemplo.
O
rapaz enfim saiu. Passou na casa de Gianni e pegou as malas ainda intactas,
para a surpresa do barbeiro:
-
Quem imaginaria que você daria sorte logo de cara!
-
Causei boa impressão demais, eu acho. Repentinamente estou com medo de alguma
coisa dar errado – Andreatti precisou de toda a compostura que tinha para evitar
tremer de nervoso.
-
Não é como se você não chamasse a atenção em todo o lugar que passa. Acha que
desconheço sua fama? – Gemma riu.
-
Signore Gemma, por favor, sem esse tipo de comentário. Já não estou me sentindo
bem de ter que fazer exames médicos – Michele sabia que seu físico bem treinado
não ajudaria muito mais cedo ou mais tarde. Além do fato de médicos serem
espertos demais para o bem dele. E sua fama de atrair olhares de meio mundo
logo de cara menos ainda iria colaborar. Afinal, ele era na opinião de muitos
um homem estupendamente bonito.
-
Estava descontraindo – Gianni respondeu rindo.
-
Tudo bem. Eu é que estou nervoso. É a primeira vez fazendo uma missão
totalmente sozinho embora o senhor seja o informante – Michele pegou a mala e
despediu-se, pois não podia demorar-se.
Enfim
sozinho, Gemma olhou para o telefone, foi até ele, discou um número e disse
enquanto ouvia o sinal de chamada: - A sorte está lançada.
No
consultório médico, Andreatti olhava enquanto o médico anotava informações em
uma ficha. Olhou-o:
-
Nome: Michele Cannarita. Idade: trinta anos. Natural da Sicília. Ocupação:
mordomo. Trabalhando na casa do signore Lampugnani. Bem, dispa-se por inteiro.
Quero ver sua condição física.
-
Certo – respondeu ele nervosamente. O policial seriamente detestava ir aos
médicos, pois quase sempre era alvo de comentários envolvendo um detalhe sobre
o qual lhe desgostava falar. Pois quase sempre seus amigos homens lhe colocavam
apelidos de “garanhão”, coisa que ele odiava. Embora as parceiras não
exatamente se importassem. Ele até não ficava infeliz com isso desde que sua
parceira não espalhasse a história pelos quatro cantos da cidade. Pois ele
detestava fofocas.
Despiu-se
um tanto devagar. Ficou totalmente nu em três minutos. O médico careca
espantou-se ao olhá-lo e o rapaz conteve a vontade de implorar para sair dali: -
Dio mio. Não achei que encontraria um caso como o seu. E tenho de admitir que
você tem um porte físico bem menos parrudo do que imaginei. Na sua terra os
homens costumam ser mais corpulentos, não é?
-
Sim, é verdade. Mas eu sempre fui mais “magrinho” e ajuda que sempre tive
tendência a ser desse jeito ou como o seu Agnello disse quando me viu, genética
– respondeu Michele nervoso até não poder mais. Quase deixou escapar fala
culta, mas conteve-se.
-
No seu caso a genética foi muito generosa. Até seus dentes são perfeitos. Você
nunca usou aparelho nem nada? – o médico espantava-se com a figura diante dele.
E a enfermeira no outro lado do vidro tinha o queixo quase no chão. “Inacreditável.
Isso aí não é um homem. Isso é um deus grego”, pensou ela passando levemente a
língua pelos lábios e olhando o papel no qual anotara algo às escondidas. De
repente, a vida tinha um sabor bem mais interessante.
-
E eu lá sei o que é isso? – disse ele rindo e retomando o personagem matreiro.
O
médico teve de rir da falsa ignorância do rapaz e logo lhe explicou que um
aparelho dentário servia para consertar dentes tortos caso a pessoa os tivesse.
Michele conteve uma gargalhada ao lembrar-se da quantia de ricos romanos que
tinham os dentes mais feios possíveis. E entristeceu-se repentinamente ao se lembrar
da maior ainda quantidade de ricaças que mais pareciam bonecas de cera de tanta
plástica, silicone nos seios e traseiro ou Botox aparente. Algumas delas com
menos de quarenta anos.
-
Entendi – sorriu ele para depois ficar bastante tímido olhando para baixo: -
Doutor, o senhor se importa de... manter isso em segredo?
-
Signore Cannarita, sou um médico sério. Além do mais, se eu fizesse uma coisa
dessas, estaria ferindo minha ética profissional – disse o homem olhando-o como
se fosse uma criança que havia acabado de falar algo indevido.
-
Desculpe, é que... às vezes tenho um pouco de vergonha disso – o policial
misturava em si mesmo sua própria personalidade e a do personagem que
encarnava.
-
Vergonha por quê? Esse seu extra é um simples detalhe genético embora menos de
250 homens mundo afora tenham – respondeu o médico rindo.
-
Considerando o que o senhor disse, me parece motivo suficiente pra ficar meio
envergonhado. Não é como as pessoas não falassem quando sabem. O povo tem uma
língua de matar – respondeu Michele cruzando os braços e perguntando se podia
se vestir.
-
E você sai por aí mostrando pra todo mundo? – Pezzolato se viu rindo mais ainda
e disse que ele podia.
-
Não – respondeu ele afinal percebendo que talvez não precisasse se envergonhar,
afinal, comentários eram simplesmente... comentários. Cabia a ele não se deixar
afetar pelos mesmos embora isso não fosse absolutamente fácil.
Vestiu-se
enquanto pensava nisso sem saber, no entanto, que o destino sempre dava um
jeito de dificultar ainda mais as coisas.
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